Eu me dei conta de que já não estava sonhando quando silenciosamente contei os dedos das minhas mãos pousadas tranquilamente no púlpito. Olhei para a pulseira de ouro e pensei: muito que bem, eu não tenho essa joia na Terra. Por alguns instantes, toquei o mármore preto com alguns símbolos dourados encravados nele: uma coruja e uma estrela crescente. Eu não estou na Terra. Meus olhos voltaram-se para a plateia na minha frente, tantas faces distintas me encarando sorridentes. As pessoas obviamente me levavam muito a sério, mas o que exatamente buscavam de mim? Ali havia centenas de pessoas curiosas sobre o que eu estava falando. Não era ao começo de um discurso, mas sim o seu fim.
"É por isso que devemos manter a nossa estratégia de ataque!", eu disse, adquirindo consciência de quem eu era e onde eu estava.
"E agora, por favor, vamos às perguntas da plateia", Visli decidiu, buscando alguém interessado em participar. Visli é a minha filha, uma moça jovem de cabelos vermelhos ondulados que se veste de uma forma sempre muito elegante. Ela é responsável pelas questões burocráticas relativas ao meu papel tanto na Terra quanto em Liran Van Garden.
"Enheduanna, Enheduanna!", disse uma voz feminina familiar. Eu me virei para direita e logo na primeira fileira estava Liz, a jornalista.
Eu sorri ao vê-la por que aprecio suas feições. Eu praticamente conseguia ler as suas indagações e sentir a sua estrela agitada quase palpitando junto a minha. Eu me perguntei se ela entendia bem como ela surgiu, mas é melhor que entenda que veio da lua (o satélite) e não de mim.
Liz tem uma inquietação intrínseca e ela é movida constantemente pelos fatos. Ela não estava ali para me adular, ela queria a verdade e eu ofereceria a ela o meu máximo.
"Depois que ele cair, o Vice não seria ainda pior? É muito fácil tirar um bufão do poder, mas será possível tirar um verdadeiro ditador?"
A pergunta de Liz era muito pertinente e eu mesma me fazia esta pergunta todos os dias. Eu sabia que Liz não iria ficar satisfeita com nenhuma resposta que eu desse a ela. Eu sabia que ela questionaria qualquer coisa que eu dissesse, afinal era esta a sua função: me questionar até o fim e ter uma postura neutra.
Mas no fundo, eu esconderia de Liz a verdade, que ela surgiu de mim e que ela representa, em certa medida, a minha própria inquietação e todos os anos que eu dediquei ao jornalismo e à busca pelos fatos. Estar ciente disso, no entanto, poderia confundi-la. Por isso, para todas aquelas faces, eu era alguém respeitável, porém não necessariamente a criadora. Para todas aquelas pessoas ali presente, a lua (satélite) era a criadora. E eu, assim como eles, a criatura que tinha aparecido há tão mais tempo e cujo poder político se estendia para todos os lados.
"Muito obrigada pela sua pergunta, Liz", eu tentei sorrir apenas de modo cortês. "Veja bem, estamos trabalhando contra a egrégora fascista, contra todos eles e não apenas uma pessoa."
"Mas o foco", rebateu ela, "é inquestionavelmente nele. Isto não seria um erro no uso dos nossos recursos?"
"É por isso que eu gostaria de chamar aqui Faulmensi Abdano, para que vocês ouçam diretamente deles e vejam como está sendo"
Os presentes se ajeitaram na cadeira, intrigados. Deu-se um silêncio curioso. Até mesmo Liz, que dificilmente deixaria o tema, calou-se prontamente. A presença de Faulmensi Abdano não estava programada. Todos estavam ansiosos sobre como isso se seguiria.